segunda-feira, 12 de março de 2018

Meio Quilo de Alcatra, Por Favor


Um jovem, aproximadamente seus 26 anos, sentado no sofá de sua sala, um sofá de tecido azul escuro com algumas formas geométricas que nem ele sabe o significado. O sofá era pequeno, combinava com aquele apartamento. O jovem jogava videogame para ser mais exato. Precisava distrair sua cabeça, por isso jogava algo sozinho, sem os outros jogadores ele vira o principal; o herói, era isso que ele procurava. Horas se passaram até que um som similar a um rugido se destaca em meio aos sons de tiros que saiam da televisão. Esse som vinha dele, de sua barriga. Ele estava com fome. Foi para a cozinha, após abrir a geladeira e a luz o cegar por alguns segundos, ele nota que só sobrou um pouco de requeijão e algumas cebolas.

                O rugido veio novamente. Decidiu procurar algo congelado no freezer, e achou uma lasanha que, por sorte, ainda estava dentro da validade, então ia ter que servir para esta noite. Colocou a comida no micro-ondas, e enquanto aquela mistura de massa e presunto processado girava imerso em um molho de sódio borbulhante ele planejava em sua mente o que faria no dia seguinte. Lembrou que era Domingo, portanto, teria que ir trabalhar no próximo dia. Olhou o relógio e já eram nove horas, ele precisava dormir logo.

                Seus pensamentos são interrompidos pelo apito agudo e repetitivo do micro-ondas avisando que a refeição estava pronta. Comeu rapidamente, desligou o videogame e foi dormir.

                A noite passou como se fosse um piscar de olhos, pelo mesmo motivo já acordou cansado. Levantar de sua cama era um martírio, mas sua razão o obrigava a ir trabalhar. Foi em direção ao banheiro. Lavou o rosto, mas quando se olhou no espelho ele parecia um morto, as olheiras enormes; o cabelo grande cheio de nós; ainda possuía “remela” em seus olhos. Ele precisava de um banho. Durante o banho, quanto mais olhava para si, mais achava defeitos. Desistiu de se olhar; lavou o cabelo e se deu por satisfeito. Minutos depois estava colocando café em uma garrafa térmica mal lavada e preparando suas coisas para enfrentar mais um dia.

                Enquanto andava em direção ao metrô, preparava-se psicologicamente para encarar a pior hora de seu dia. Tinha sempre de correr para conseguir entrar no vagão e competir como animais por um local em meio a um aglomerado de pessoas. Estar ali sempre causava nele um sentimento de pequenez; de insignificância, e isso o deixava apático em relação a vida, ainda mais quando lembrava que todo esse sufoco era para passar oito horas de seu dia sentado em um cubículo. Felizmente, toda essa apatia o ajudava a manter a calma e a sanidade dentro daquelas paredes acinzentadas de um tipo de plástico fétido. Quando ele se deu conta de onde estava, as paredes e os papeis de relatório o engoliam. Isso servia para que ele ficasse distraído de seus pensamentos e focado em trabalhar. No entanto, durante uma pausa para que recuperasse a própria humanidade, já que aquele ambiente a suga tal como dementadores, notou que já era junho, portanto o frio estava vindo. Esse pensamento fez com que ele se permitisse esboçar um sorriso leve de alivio. O calor é desgastante demais.

                Quando suas oito horas de agonia acabaram, um sentimento ambíguo tomou conta de seu corpo e mente: o alivio por finalmente sair daquele lugar; e a angustia por ter de voltar para aquela guerra que chamam de transporte público. Durante sua rota para a estação, tentava preparar-se novamente para a “batalha” que viria a seguir. Porem algo salvou sua mente daqueles sentimentos. Um cartaz de supermercado o fez lembrar de sua geladeira vazia. Manteve a cabeça ocupada fazendo uma lista de compras mental, sempre com a sensação que algo estava faltando.

                Para poder passar no mercado, ele teria que descer em uma das últimas estações, logo, quanto mais próximo de seu destino mais vazio o vagão ficava, e mais humano ele sentia-se.

                Assim que chegou ao mercado, procurou o carrinho de compras mais próximo, traçou uma rota sem muitas voltas, pois queria sair daquele lugar o mais rápido possível. Com a lista e a rota prontos em sua cabeça, ele sai atrás das coisas. Começou por produtos de limpeza; seguindo para as frutas, logo depois para bolachas e salgadinhos... e assim foi, até chegar ao açougue. A fila era enorme, mas ele precisava enfrentar. Enquanto esperava naquela fila que parecia interminável, começou a reparar nas carnes presas por ganchos prateados expostas naquelas sujas vitrines da morte. As carnes pareciam estar em um festival de cor praticamente monocromático, onde o vermelho mais escuro da carne se misturava com o branco de ossos e nervos e o escarlate do sangue que ainda restava. As costelas, com os ossos ligados por finas camadas de gordura, lembravam garras. O mocotó, aquelas patas de boi, já sem qualquer resquícios de vida, esbranquiçadas devido a falta de sangue em suas veias; alguns estavam fatiados, mostrando a carne por baixo do couro e os tendões, os cascos estavam desgastados. O estomago de boi também estava lá, aquele “tapete” de órgão era repugnante. As coxas de frango, com pele mole e marcas de onde ficavam as penas, as juntas e os nervos expostos. Tudo isso começou a causar uma ânsia de vomito em seu corpo, mas sua mente colapsava. Ele notou a sua real importância para o mundo, ele não passava de um saco de pele, carne e sangue ambulante. Para a magnitude da terra, ele era como um vírus que adoecia o planeta, gozando de seus recursos para um bem-estar momentâneo, era quase um epicurismo pejorativo. Notou que seu futuro é incerto, mas tinha plena certeza que não conquistou nada de importante em seu passado, portanto sabia que ninguém no mundo se lembraria dele, e em seu enterro, não terá a presença de ninguém. Esses pensamentos o dilaceraram tão profundamente que sua alma lutava para sair correndo daquele lugar, porém seu corpo estava paralisado, como se os mesmos ganchos infernais, que seguravam as carnes em sua frente, estivessem cravados em seus músculos, impedindo que ele se movimentasse, e isso só aumentava seu desespero. Ele só conseguia mexer os olhos, era como estar sob o controle de outra pessoa. Tudo ao redor parecia congelado, como se ele estivesse preso no freezer do açougue.

                Após alguns minutos parado, que mais pareceram horas, as vozes, que antes estavam praticamente suprimidas, começaram a ficar cada vez mais altas. Quando elas finalmente superaram seus pensamentos, ele acordou, recuperou os movimentos, mas a sensação de desespero continuava lá. Olhou ao redor e notou que as vozes vinham das pessoas da fila, avisando que ele era o próximo. Porém, com o desespero em sua mente, ele só conseguiu sair correndo daquele lugar, precisava tirar aquilo da cabeça. Continuou correndo pelas ruas em direção sua casa. Tinha se esquecido completamente das compras, só desejava chegar em casa. Por sorte seu apartamento ficava a só alguns minutos do mercado, por isso chegou rápido.

                Assim que chegou, foi tomar um banho rápido para que depois pudesse jogar e aliviar todo o estresse que tinha passado no dia. Ligou o videogame e foi jogar. Quando era aproximadamente seis horas, ele ouviu um rugido...